Após 40 anos, o desenhista e roteirista Hermes Ursini retoma o contato com o universo dos quadrinhos por meio de “Bando”, um livro experimental sobre o trabalho dos artistas
O desenhista, roteirista e designer gráfico Hermes Ursini explora os limites entre ficção e realidade em Bando, livro que marca o retorno do ilustrador ao mundo das histórias em quadrinhos. Nesta HQ, ele utiliza diferentes traços, técnicas e gêneros literários para refletir sobre as implicações do fazer artístico em uma sociedade capitalista, o papel destes profissionais na contemporaneidade e a importância de pensar sobre arte em um mundo cada vez mais automatizado.
Para isso, ele conta a trajetória do roteirista Onetti, que, ao retornar para o Brasil, descobre uma gaveta repleta de obras de autores anônimos. Quando percebe a importância destes trabalhos, envolve-se em uma fabulação pessoal em que situações e figuras históricas da HQ europeia, como Dionnet e Gir, o inspiram a procurar o Oriente em São Paulo, mais especificamente o bairro da Liberdade. Na região, encontra-se com o editor Shiro Tahashi. Juntos, os dois descobrem que precisam criar um mundo de ficção para desenvolver um único projeto editorial.
Assim, os leitores são apresentados a enredos e biografias dos artistas: Felipe Layer, Darta, Bob Bear e Sherman. Todos eles são personas distintas dentro de Onetti, um personagem fictício inspirado no próprio Hermes Ursini. Com esta liberdade para criar narrativas e usar recursos variados, o autor envereda não apenas pelas complexidades do processo artístico, mas por temas que se conectam à realidade de todos quando desenha, por exemplo, personagens de diferentes classes sociais em relações conflituosas com o trabalho.
Só muito tempo depois chega a hora dos trabalhadores intelectuais. Esses desabam lentamente. Uma barriga aqui, um diabetes ali, uma gastrite, uma úlcera, e assim vão saindo de cena devagar. E o que farão com o enorme hiato de tempo entre seu fim tardio e o precoce acaso dos burros de carga? Vão escrever e desenhar, atormentados por terem sido premiados pelos deuses com doses extras disso que chamamos de existência. Estarão solitários, ocupados em dedilhar teclados e rememorar trechos de suas horas. (Bando, pg. 116 a 118)
Entre as páginas, o escritor narra histórias diversas: há o homem que enfrenta o luto de perder um amigo próximo; o jovem que sonha em ser artista na tentativa de criar um outro mundo; o trabalhador intelectual submisso ao sistema capitalista que descobre ser parte do proletariado; o pintor que se revolta contra o mercado de galerias, dentre outras. A partir deste entrelaçado de vozes, personagens e estilos, Hermes Ursini mostra como, às vezes, a arte é o único meio que as pessoas têm para sobreviver. Bando foi realizado com apoio do ProAC, do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas.