Hoje, eu decidimos apresentar para vocês um conto autoral sobre a morte de dois personagens de uma mesa de RPG. A campanha é ambientada no cenário de Theros e esse trecho se passa na polis Meletis. Os acontecimentos do conto não são canônicos com o cenário. Esperamos que gostem.
Ataque a Meletis, de Nick Scabello
Um homem montado saltou por cima de sua cabeça. Pavlina desembainhou sua espada curta e acertou com o fio na barriga do animal. Parte do sangue escorreu em si, e a outra parte ele perderia sem notar enquanto cavalga. Com a mão livre de apoio, Pavlina dá um mortal para trás se esquivando de um machado voador que deveria ter tido outro alvo, porém tinha errado.
Isso era normal no meio de um campo de batalha.
Ela ouviu as cornetas e observou seus aliados. Niobe, a maga, estava mais recuada, usando seus feitiços e evocações para acabar com o maior número de soldados possível da maneira mais eficaz em mãos. Seus gestos complexos com as mãos belas conjuravam tempestades e avalanches elementais. Obedecendo as cornetas, Niobe recuou para a retaguarda. Pavlina sacou seu arco, embainhando novamente a espada curta, e começou a recuar também.
Um soldado aliado à sua esquerda recebeu uma flecha na nuca e então caiu no chão, sem vida. Pavlina saltou para trás, puxando uma das flechas e acertando um arqueiro inimigo que tinha os olhos na aventureira. O grande falcão de Pavlina fez seu rasante, mordendo fora pedaços de carne do arqueiro inimigo.
Pavlina ainda não conseguia ver seus aliados quando ouviu a voz de Grim, o assassino, longe em meio aos soldados. A voz vinha de trás, o que provava que ele tinha recuado junto dos outros. Um assassino como Grim não tinha motivo para estar na linha de frente. Depois das duas primeiras horas, um campo de batalha perde seus pontos estratégicos. Pavlina poderia muito bem subir nas muralhas da cidade, como tantos outros arqueiros, e ficar atacando de lá com Grim, mas ela não tinha essa paciência.
Aquele exército tinha matado sua deusa. Aquele exército tinha arrasado sua cidade. Ela não iria ficar atrás das muralhas para lutar. Além disso, com a névoa densa, não poderia ter certeza que suas flechas estavam acertando.
Mais uma flecha voou de seu arco, acertando a garganta de um soldado que gorgolejou sangue até não conseguir mais respirar. Outra flecha zune pelo ar, acertando o olho de uma guerreira inimiga que usava dois machados. Quando ela caiu, dois outros guerreiros pegaram suas armas do chão e avançaram usando-as. Oficiais sempre tinham armas melhores que os soldados comuns. O falcão mais uma vez desceu, destruindo o rosto de um desses soldados. Uma flecha de Pavlina no estomago, entre os anéis da cota de malha, foi o bastante para derrubar o outro.
Pavlina ainda não conseguia ver dois de seus aliados, então decidiu parar de recuar. Com um dos joelhos no chão, ordenou que os soldados de Meletis que estavam ao seu redor lhe fizessem cobertura. Homens e mulheres de armaduras simples giraram ao redor de Pavlina, erguendo escudos e ameaçando disparos de proteção com suas bestas de mão. A caçadora encantou suas flechas, matando mais dois soldados adversários. E então viu seus aliados.
Acrísio, o minotauro, girava seu martelo de guerra contra um ciclope. Acrísio era o aliado mais alto que Pavlina já teve, mas mesmo assim era pouco mais da metade do tamanho do ciclope. Isso não o impediu de explodir a cabeça do soldado inimigo com uma marretada. Ao seu lado, Deimos tinha suas mãos brilhando e delas saindo faíscas poderosas. Com um soco no chão, uma onda de destruição avançou contra vários guerreiros ciclopes, que se desfizeram perante o ataque, limpando aquela área do campo de batalha.
Pavlina correu até eles, com as partes em aço de sua armadura de couro ferindo as esquinas de seu corpo. Catou algumas flechas de mortos no chão e enfiou aquelas que não estavam quebradas dentro de sua aljava enquanto avançava.
— Gente, as cornetas nos mandaram recuar! — Disse Pavlina. — Precisamos voltar para a retaguarda, a general deve ter visto alguma coisa avançar.
— Olhe para o chão, Pavlina. — A voz de Acrísio era como se um trovão conseguisse formar palavras com seu estrondo. — Cá estão o que a general viu. Ciclopes.
— O exército gigante está economizando seus gigantes para uma última investida. — Disse Deimos. Sua pele ainda brilhava levemente e sua sombra no chão possuía estrelas e auroras. — Essa batalha está longe de acabar.
O chão tremeu. A pressão do ar mudou. Algo tinha acontecido. Os pelos de Pavlina se erriçaram e ela saltou para a esquerda. Uma lança voadora vinha em sua direção e teria a acertado se Pavlina não tivesse pulado. A lança era poderosa, provavelmente vinda de um gigante em algum lugar do grande campo de batalha que eles ainda não podiam ver. A névoa estava forte demais para isso.
Porém, a lança acertou carne. O brado de Acrísio fez o chão tremer mais uma vez. Pavlina olha para seu amigo, e ele está no chão. A lança mirou na barriga de Pavlina. Acertara a coxa de Acrísio.
O sangue escorria, empapando as vestes do minotauro e umedecendo a madeira dentro de si. Deimos se prontificou a ajudá-lo — como soldado de Akros e clérigo, tinha aprendido a curar durante a batalha ferimentos que apenas seriam curados na segurança do lar.
Pavlina ficou de frente para direção a névoa. Haviam vários corpos de soldados, tanto humanos que serviam os gigantes, quanto humanos que serviam Meletis. Fechou os olhos. Concentrou todos seus anos de devota a uma deusa que não existia mais. Concentrou toda pouca energia mágica que conseguia manipular. Ao abrir os olhos, pôde ver um pelotão se aproximando. Gigantes de fogo, da mesma raça do Rei Gigante. No meio deles, uma humana, vestindo trajes de aços. Aquela era a capitã deles.
As flechas voaram. Três delas fincaram-se uma em cima da outra no peito de um dos gigantes de fogo, até que ele finalmente caísse. O braço direito de Pavlina começava a doer. O falcão fez mais uma vez seu movimento de ataque, mordendo e arrancando pedaços de um outro gigante. Mesmo derrubando dois, ainda eram muitos.
— Deimos, da um jeito de fazer o Acrísio lutar. — Disse Pavlina, puxando e soltando mais uma flecha. — Agora!
O clérigo olhava o ferimento de seu amigo. Estava horrível. Suas curas mágicas pareciam não surtir o efeito necessário para o sangramento parar, e ele temia arrancar a lança e fazer tudo piorar.
— Deimos! — Acrísio agarrou o clérigo pelo colarinho da armadura de talas e o puxou para perto. O bafo de adrenalina do minotauro pareceu confundir a cabeça de Deimos. — Tire a minha perna dessa lança, é uma ordem, oficial!
Pavlina atirou mais flechas. Seus dedos estavam sangrando. Seus músculos estavam em carne viva. O joelho, protegido pelo couro para não esfolar no chão, se esfolava em couro e sangrava para fora da joelheira. Seu falcão também estava cansado, tendo quase sido atingido por uma espada de gigante.
Deimos arrancou a lança da perna de Acrísio com um único movimento. O sangue jorrou farto. Usando seus milagres, Deimos conseguiu estancar parte do sangramento, mas a perna de Acrísio estava destruída. O minotauro não iria conseguir usar o membro.
— Arranque. — Pediu Acrísio. Tentou ordenar, mas não tinha forças para tal. — Arranque, me encha de energia e me deixe lutar mais uma vez.
Deimos engoliu em seco, limpou o suor de sua testa e tirou sua espada da bainha. Desde que seus poderes clericais ficaram mais fortes, com a benção de Kruphix, o Deus do Horizonte, não precisava mais usar lâminas. Suas magias e seus milagres já eram o bastante para o que ele desejava. Mas agora, precisava ser preciso.
O clérigo ergueu a espada e então a desceu bruscamente. O golpe enterrou a espada em carne inflamada, fazendo Acrísio berrar de dor mais uma vez. Lágrimas brotaram do minotauro, enquanto ele ordenava que Deimos se apressasse com o olhar.
Os gigantes já estavam visíveis fora da névoa. Pavlina notou como não haviam soldados de Meletis ali. Todos tinham recuado conforme as ordens da general. Todos menos os três. A humana entre os gigantes tirou seu elmo. Pavlina soltou uma flecha naquela direção, mas a capitã a segurou com a mão. A caçadora conhecia aquele rosto.
— Traidora! — Gritou ela, tentando puxar mais uma flecha. Porém, sua munição tinha acabado.
— Pavlina, não é nada pessoal. — Respondeu a capitã.
Ainda tinha consigo quatro gigantes.
— Eles destruíram a sua cidade, maldita, a cidade de Deimos e de Acrísio. Eles destruíram a minha cidade. Eles mataram a minha deusa!
— Eles me deram a oportunidade de liderar um dos maiores batalhões da história de Theros! Eu serei conhecida como uma lenda! A humana entre os gigantes! Aquela que derrubou as muralhas de Meletis! Em Akros, eu era uma regente de um povo que via a guerra como maravilhosa, mas tinha medo de entrar em batalha. Acrísio e Deimos são os verdadeiros traidores, e está na hora de executá-los.
— Por cima do meu cadáver! — Disse Pavlina, avançando com sua espada curta
Dois machados enormes voaram em sua direção, mas ela deu uma cambalhota para esquivar. Um dos gigantes avançou, girando seu martelo contra Pavlina. A caçadora saltou, pisando em cima da cabeça do martelo e o usando como trampolim. Com um giro no ar, cortou o pescoço do gigante do martelo, antes de avançar contra a capitã.
A capitã girou sua espada longa da esquerda para direita num golpe simples, porém preciso. Pavlina caiu no chão, aos seus pés. Seu estômago sangrava em abundância. Ela tentava estancar o sangramento usando sua pouca magia, mas era em vão.
— Eu não tenho problema algum com isso. — Disse a capitã, passando por cima do cadáver de Pavlina.
O falcão de Pavlina sentiu o corpo de sua dona morrer e avançou forte contra um dos gigantes. Seu bico perfurou a armadura do mesmo, tirando suas tripas e sorvendo seu sangue. Antes de ser destruído, o falcão conseguira levar um soldado consigo.
Deimos olhou para trás e viu os dois gigantes acompanhando a mulher que um dia tinha chamado de rainha.
— Eu vou te destruir! — Deimos gritou, largando seu escudo no chão e apontando o punho nu para a capitã.
Faíscas saíram de seu punho e da armadura da mulher, e então uma conexão foi estabelecida entre as energia. Um longo relâmpago se propagou, vindo de Deimos contra a capitã. Um gigante entrou no meio do ataque, recebendo todo o relâmpago em si, torrando.
A capitã deu dois passo e então estava cara a cara com Deimos. Ela era muito rápida. A espada grande dela encontrou a resistência da espada curta de Deimos. O clérigo ainda se segurava a sua vida. A capitã lhe deu uma forte cabeçada, fazendo ele cair para trás, e então cravou a lâmina em seu peito. O rosto de Deimos fez uma careta forte. Suas mãos penderam. Sua boca se abriu.
— Verifique se o minotauro está realmente morto. — Ordenou ao seu último gigante de fogo.
O soldado obedeceu. Ao se aproximar de Acrísio, o guerreiro avançou uma cabeçada e seu chifre se fincou na mão do gigante. O gigante se afastou, puxando Acrísio junto, o fazendo levantar. Sem uma das pernas, Acrísio se puxa para trás, rasgando a carne do gigante com seu chifre e o deixando enfraquecido.
— Vejo que o meu maior guerreiro ainda esta inteiro. Ou quase. —Acrísio usava seu martelo de duas mãos para ficar em pé.
— Não preciso das duas pernas para te matar, traidora.
— Você não me mataria nem se tivesse tantas pernas quanto uma aranha, oficial.
A capitã falava calma. Para ela, a vitória era óbvia.
Ela não previu que Acrísio estava muito mais forte.
O minotauro avançou, se equilibrando na sua perna única. A capitã tentou derrubar sua perna com um chute, mas Acrísio se defendeu usando o cabo do martelo. Com um giro, se esquivou de um golpe da espada da capitã e usou seu martelo contra os braços da maldita. Sua espada caiu no chão com o impacto. Mais um giro, e Acrísio acertou a cabeça da capitã. Sua força de minotauro era descomunal. A capitão teria aguentado o ataque e ficado acordada, se já não fossem todos os ataques que ela teve que resistir até chegar em Acrísio. Seu corpo caiu no chão, e Acrísio a finalizou, com a força necessária para explodir coisas mais resistentes que o crânio daquela traidora.
O último gigante, com a mão ensanguentada, se levantou com sua espada e avançou contra Acrísio. O minotauro não tinha mais forças para se defender, então apenas esperou a morte chegar. Fechou os olhos.
Porém a morte não chegou, quando abriu os olhos de novo, o gigante estava aos seus pés, de barriga para baixo. Em sua nuca, uma adaga que ele já conhecia bem.
— Acrísio! — Grim, o assassino das adagas, correu para ajudar o equilíbrio do grande minotauro. — O que houve com Pavlina e Deimos.
— Mortos, Grim. — Disse Acrísio, aceitando a ajuda. — Pegue seus corpos e vamos embora daqui. Precisamos voltar para o acampamento. Essa batalha não será vencida com apenas um perneta no campo de batalha. Me arrume uma corneta, precisamos dar uma investida agora que eles perderam a capitã.
Grim olhou para o chão e viu a humana que liderava gigantes.
— Ela é…
— Era. — Respondeu Acrísio. — Agora ela é um cadáver.