Drone, de Nick Scabello

Drone, de Nick Scabello

Hoje, nós vamos fazer uma coisa diferente. Além de não falar de gigante, hoje vocês poderão ler um conto de minha autoria. Faz parte de uma antologia que eu devo lançar no meio de julho. O estilo é puxado para o cyberpunk, mas não completamente. Espero que gostem, e boa leitura.

               Amanda estava terminando de desligar o último sistema. Aquele prédio ocupava todo um quarteirão do centro da cidade, e tinha um sistema de segurança diferente em cada uma das esquinas. Em volta do prédio, havia uma grade com arame farpado, porque aparentemente aqueles que ali viviam quiseram economizar na segurança. Uma cerca elétrica seria muito melhor, mas uma filial pequena como aquela tinha que escolher entre uma proteção física de alta qualidade ou um firewall de alta qualidade. Aquela devia ser a menor das filiais da corporação.

                Para a sorte de Amanda alguém deve ter enganado eles, pois ambos estavam horríveis. Do lado de fora da grade, o painel de controle daquele quadrante estava sendo desligado. Amanda olha em seu pulso esquerdo, onde seu relógio monitorava os outros painéis e a atualizava do estado deles. Todos estavam completamente inertes. Em menos de vinte minutos, a hacker tinha desabilitado os quatro.

                —Agora só falta testar. —Diz Amanda, apertando um botão de sua manopla. Uma lâmina gira para fora, a direita de seu punho direito, ficando parada apontando para frente. Amanda enfia a lâmina no chão, quebrando um pedaço de asfalto, arrancando uma lasca, e então o joga por cima do arame farpado.

                A lasca de asfalto cai no pátio entre a lateral do prédio e a grade. A hacker fica atenta em seu relógio. Todos aqueles sistemas estavam conectados remotamente em seu aparelho, e se qualquer um deles detectasse qualquer coisa, ela saberia. Mas nada acontece. Amanda estava segura.

                A jovem tira de sua mochila uma serra giratória silenciosa e corta a grade com cuidado. Não podia dar o luxo de explodir usando uma bomba, pois mesmo naquela hora da madrugada, era perigoso alguém ouvir. O equipamento cumpre sua função com a agilidade esperada, e a grade cai para fora, no joelho de Amanda, sem fazer barulho. Antes de entrar na propriedade privada, Amanda observa em volta.

A rua estava vazia. Os neons dos motéis altos proviam a maior parte da luz. Os postes de luz estavam em sua maioria quebrados, e aqueles que não estavam, ficavam com sua luz muito fraca e apontando apenas para um lado. Aquilo era decorrência das ondas eletromagnéticas que se espalhavam pelo ar devido a tora de tiros com armas avançadas que ocorria com frequência naquele bairro. Munições e explosões com pulso eletromagnético faziam o ar se tornar problemático para aquele tipo de iluminação, mas não para equipamentos complexos como os de Amanda. Aquele lado da cidade já tinha sido abandonado pelo prefeito a muito tempo. Só esqueceram de avisar isso para quem morava lá.

Amanda avança para dentro da propriedade. O dispositivo de seu pulso continuava monitorando os sistemas de segurança, indicando que estava tudo bem passar. Ela usa um cano que fica do lado de fora do prédio para subir até uma varanda, e então começa a escalar de varanda em varanda. As lâminas de suas manoplas a ajudavam a ter mais estabilidade e segurança enquanto subia. Amanda precisava estar num ponto alto do prédio para ter segurança de que ia funcionar tudo como ela pretendia.

E então ela chegar até a última varanda. Apesar de ser um prédio comercial, as varandas serviam como área para os funcionários fumarem durante suas horas de pausa, e por isso eram essenciais. Elas ficavam espalhadas em vários pontos do prédio, exigindo que as habilidades atléticas e acrobáticas de Amanda fossem testadas.

A hacker observa mais uma vez seu relógio. Os sistemas de segurança estavam completamente dormentes ainda. Seu script tinha sido bom, mas ainda assim ela verificava constantemente. Amanda tira sua mochila das costas e a apoia no chão para tirar de dentro dela uma lata spray de tinta. Aquela tinta era especial, específica para esse tipo de função. Ela brilhava quando vista sob certa lente ótica, mas sem ela era quase imperceptível. Além disso, Amanda deixa seu próprio detector de proximidade próximo do parapeito da varanda, prevenindo possíveis aparições surpresa. A garota coloca seus óculos com essa lente para poder observar o que estava fazendo, e começa a grafitar.

A tinta voa para a parede cinza daquele prédio. Amanda gostava de fazer coisas bem feitas, porém ela sempre temia ficar sem tempo por causa disso, então tenta fazer seu trabalho o mais rápido possível. Sua missão era simples. Ela precisava escrever uma sequência de números. Outros talvez precisassem anotar em seus dispositivos de comunicação pessoal, mas Amanda gostava de memorizar para garantir. Não podia se dar ao luxo de perder o número caso fosse atingida por uma munição com pulso eletromagnético.

                E faltando um número para o final do grafite, o seu dispositivo no braço começa a vibrar. Sua visão recebe a notificação em suas bordas. O detector de presença que ela tinha colocado no parapeito da parede estava apitando. Amanda termina o grafite com o último número às pressas e se joga no chão. Usando sua mão direita, ela configura os terminais de segurança do prédio para distribuírem o sinal de seu aparelho pelo prédio. Desse jeito ela conseguiria localizar mais facilmente o que estava se aproximando.

                Quando o processo termina, ela enxerga um ponto vermelho no mapa de seu ecrã mental. Estava no meio do ar, a menos de dez metros. Seu adversário. Amanda se levanta num salto, se jogando para o outro lado da varanda. Onde ela estava agora tinha sido alvejado por uma bala. A hacker rola no chão e aponta sua cabeça para fora do prédio. Lá estava ele.

                Escuro como a noite, um drone de aspecto militar pairava silenciosamente àquela distância desconfortável. Seu corpo robusto era das dimensões de dois gabinetes de computadores do começo dos anos dois mil, um em cima do outro horizontalmente. Suas quatro hélices giravam silenciosamente por cima de seu corpanzil bruto. Embaixo de si, uma arma de calibre alto apontava para onde Amanda estava um segundo atrás. Nas laterais de sua lataria, o símbolo da polícia de São Paulo era visível.

                Um segundo tiro é disparado. Um som comum para os habitantes daqueles bairros. Amanda rola lateralmente pelo chão enquanto o projétil acerta a parede onde ela estava. A hacker vai até seu equipamento posicionado no parapeito e aperta o botão de pânico instalado do lado de fora do aparelho. Um choque passa pelo seu corpo, desconfortável, e uma luz brilha o ambiente. A visão virtual de Amanda é desligada, enquanto o Drone começa a cair por conta da gravidade. Amanda tinha feito um pulso eletromagnético.

                A garota salta para fora do prédio, usando as lâminas de suas manoplas para diminuir a velocidade de sua queda. Ela sabia que não teria muito tempo até o Drone se reiniciar. Teria sorte se ele caísse no chão antes disso, mas mesmo assim aquilo não o destruiria. Pulando entre as varadas e canos do lado de fora, o dispositivo do pulso de Amanda termina sua reiniciação avisando que o pulso eletromagnético reativou um dos sensores de movimento de uma das partes do prédio. Não seria um problema para ela caso ela não precisasse ir lá, mas com um drone policial atrás de si, qualquer rota de fuga bloqueada era uma chance a menos de sair dali viva.

                Mais um tiro é ouvido. Dessa vez, Amanda não tinha se preparado antes da bala vir. Sua perna é alvejada na canela, no meio de um salto de uma varanda mais alta para uma varanda mais baixa. Ela morde o lábio de dor, enquanto seu corpo perde o equilíbrio no meio da acrobacia, fazendo seu braço bater em um parapeito, e seu corpo descer em queda livre no chão. Amanda cai de lado, com a certeza de que tinha quebrado alguma coisa, e começa a rastejar para fora.

                Seu aparelho no pulso tinha ficado em más condições por causa da queda e da porrada que ele tinha dado no parapeito de uma das varandas, então Amanda se prontifica de tentar fazê-lo funcionar de novo enquanto rasteja. Enquanto ela faz isso, seu mapa virtual aponta que o Drone já estava girando em volta do prédio para seu encontro e rapidamente estaria lá de novo. Quando ela consegue tornar o dispositivo minimamente funcional de novo, sua mão vai até o bolso mais baixo da calça, sacando sua pistola de confiança. Não tinha um modelo específico, pois era feita de vários pedaços diferentes, mas a munição eletromagnética funcionava bem o bastante para causar danos significativos ao drone.

                Quando seu adversário ganhou sua visão, Amanda atirou. Os dois primeiros tiros não acertaram, mas o terceiro sim, o fazendo recuar levemente. Munição eletromagnética não faz com que o drone desligue, mas causa danos internos à sua saúde robótica. Amanda continuou se arrastando atirando para trás. Mais dois tiros, apenas para fazer a velocidade do drone reduzir, como fogo de supressão. Já tinham sido cinco tiros. Ela tinha apenas mais uma bala, e ela não podia desperdiçar.

                Seu rastro de sangue era longo pelo chão, mas finalmente ela chega até o lado de fora da grade, passando pelo buraco que ela mesma tinha feito. Seu dispositivo do pulso ainda dava leves falhas de funcionamento, por conta da bala eletromagnética que tinha acertado a perna de Amanda, mas estava funcional. Ela aperta alguns botões ali, enquanto o drone descia o voo, com sua inteligência artificial se preparando para um possível tiro de Amanda.

                Um último botão e Amanda vira sua arma, disparando.

                O tiro não acerta o drone. Contudo, não era essa a intenção de Amanda. Com o dispositivo, ela tinha desligado seus bloqueadores de firewall. O tiro foi apenas para ativar o sentido de ameaça que antes estava adormecido. As armas de defesa do prédio se erguem do chão, monumentais comparadas ao drone, e disparam contra aquela máquina.

                Depois de poucos instantes o drone cai destruído no chão e as armas voltam para dentro das bases do prédio. Amanda tinha feito sua missão. A bala em sua perna doía incrivelmente mais do que ela imaginava que iria doer, mas ela estava viva, e estaria pronta para fazer aquilo de novo em pouco tempo.

                Afinal, alguém precisava fazer toda semana.

                Seus binóculos enxergam, no topo do distante prédio, o código. Alguém da resistência deve ter colocado aquele código lá. Toda semana o código muda, para fugirem de serem rastreados pela polícia.

                Aquele grupo de jovens que observava os prédios todas as segundas-feiras digita o novo código no site que lhes foi dado a muito tempo. E lá estava. O site se abria novamente. Toda semana, um código novo. Toda semana, a batalha continuava.

                —Diário de Batalha, dia vinte cinco de fevereiro de dois mil e sessenta e cinco. —Um deles começa a ler em voz alta, para o auxílio do menino cego que estava no grupo. —Mais etapas do plano começam a ser desenvolvidas. Não faltará muito até que a revolução comece.

                O grupo demonstra contentamento, enquanto brindam em nome da revolução. O leitor continua lendo o resto do que foi postado.